As eleições norte-americanas de 2000 foram marcadas por muitas
controvérsias, incluindo a recontagem manual de votos exigida pelo
candidato Al Gore em quatro condados da Flórida. Enquanto isso, no
Brasil, a urna eletrônica garantia uma apuração rápida
e sem maiores contratempos.
Na época, as urnas eletrônicas brasileiras ganharam tanto destaque na
imprensa que acabaram se tornando um exemplo a ser seguido por diversas
outras nações. Porém, isso não isentou o sistema de receber muitas
críticas de pessoas preocupadas com o anonimato e a segurança dos votos
cadastrados nesses dispositivos.
Ainda hoje, 17 anos depois da primeira experiência brasileira com as
urnas eletrônicas, há quem acredite que esses aparelhos são falhos e que
precisam passar, urgentemente, por uma reformulação.
Prova disso é que, em abril deste ano, o Instituto de Ciências
Matemáticas e Computação da Universidade de São Paulo,
no campus em São Carlos, abrigou o 1º Fórum Nacional de Segurança em
Urnas Eletrônicas, que contou com a presença de engenheiros e outros
profissionais que abordaram pontos fundamentais do processo eleitoral,
questionando a contemplação desses itens pelas urnas.
Princípios básicos das eleições
O vídeo abaixo possui 4 horas de duração, com todas as palestras
apresentadas no Fórum. Já na fala do engenheiro Amílcar Brunazo Filho,
foram destacados alguns princípios básicos que garantem uma eleição mais
confiável, independente e democrática, listados por nações como
Alemanha e Estados Unidos, além do próprio Brasil.
Para começar, o voto precisa ser totalmente anônimo, a ponto de que nem
mesmo um juiz pode requisitar a quebra do voto de alguém, como acontece
frequentemente com telefones e contas bancárias.
Esse Princípio da Inviolabilidade é muito importante e, por isso, torna
muito complicado o desenvolvimento da urna eletrônica. Amílcar diz em
sua palestra que hoje é mais fácil transferir 1 milhão de dólares pela
internet do que processar o voto digital de um eleitor. A razão para
isso é o fato de que o registro do voto não pode conter qualquer dado
que possibilite rastrear o seu autor. Data, hora, número da máquina
utilizada pelo eleitor e outros dados precisam ser eliminados. Esse
processo não pode deixar “rastros”.
Além disso, Amílcar esclarece que, apesar de o autor do voto ser absolutamente secreto,
o conteúdo do voto precisa ser completamente público. Esse é conhecido
como Princípio da Publicidade, ou seja, o governo precisa garantir que
dados públicos continuem públicos.
Disponibilidade e independência
Mais dois princípios indispensáveis deveriam nortear as eleições com
votos eletrônicos: o da Disponibilidade Absoluta e da Independência de
Software. O primeiro garante que as eleições não podem ser adiadas ou
temporariamente interrompidas por indisponibilidade das urnas, ou seja,
elas precisam ser estáveis e seguras o suficiente para que todo o
processo de votação aconteça durante a data e horário previstos pelo
governo.
Já a Independência de Software foi proposta pelos engenheiros do MIT ao
analisarem o uso de urnas eletrônicas nos Estados Unidos: é preciso ter
mais de uma forma de conferência dos votos, porque as eleições não podem
ser prejudicadas por falhas de programação do software usado nas urnas.
Como se não bastassem essas questões, o vídeo também cita outros
requisitos ou princípios que seriam desejáveis para uma eleição
eletrônica, levantados por outras nações, como a possibilidade de
conferir o próprio voto e de realizar tudo isso sem complicações, com
dispositivos que possuem facilidade de uso, inclusive, refazendo-o caso
não concorde com o que foi registrado.
Participantes do 1º Fórum Nacional De Segurança Em Urnas Eletrônicas
Críticas às urnas brasileiras
De acordo com a palestra de Amílcar, as urnas eletrônicas brasileiras
fazem parte da primeira geração desse tipo de equipamento. Conhecido
como Direct Recording Electronic (DRE), esse modelo foi desenvolvido
pela empresa OMNITECH e tem recebido atualizações desde 1996, quando
começou a ser utilizada pelo Brasil.
Entre as características das urnas de primeira geração estão o fato de
que a confiabilidade dos resultados das eleições depende exclusivamente
da confiabilidade do software usado pelo dispositivo. Além disso, a DRE
grava o voto diretamente em sua memória digital, mas não permite que o
eleitor verifique se o voto foi registrado corretamente.
Urna da Venezuela possui tela sensível ao toque e impressão do voto
De acordo com o Relatório Sobre o Sistema Brasileiro de Votação
Eletrônica (PDF), elaborado pelo Comitê Multidisciplinar Independente,
em 2010, o fato de a sociedade civil não poder conferir o destino de
seus votos foi a principal causa para que mais de 50 países que
analisaram as urnas brasileiras acabassem rejeitando-as como solução
para suas próprias eleições.
As urnas de segunda e terceira geração resolvem esse problema com
sistemas que podem ser consultados de maneira restrita, mas esse tipo de
ação parece longe de ser implementada no Brasil.
A polêmica do voto impresso
Uma das maneiras de permitir a conferência do registro do voto de um
eleitor é por meio da impressão. Isso não significa voltar ao papel e
inutilizar o voto eletrônico, mas oferecer outra forma de conferência e,
talvez, de contagem dos votos, em caso de falhas na apuração das urnas.
Esse tipo de medida já foi adotado por países como México e Venezuela.
Importante notar também que o voto impresso é para conferência dentro da
zona eleitoral: o eleitor não pode levá-lo para casa e, em alguns
casos, sequer chega a pegá-lo na mão, apenas confere a impressão através
de um display transparente. No Brasil, medida semelhante seria
implementada para as eleições de 2014, prevista pela Lei 12.034, que foi
sancionada em outubro de 2009.
Terminal do mesário conectado à urna também é alvo de críticas
Porém, a lei foi declarada inconstitucional em 2010, com um vídeo
apresentado pelo então presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, alegando
que a impressão causaria falhas e quebra de anonimato no sistema
eleitoral brasileiro, além da possibilidade de que o eleitor votasse
mais de uma vez, caso a urna estivesse separada da máquina de
identificação do cidadão.
Amílcar, em sua palestra, atesta que essa foi uma má interpretação da
lei, visto que a informação sequer precisa ser legível: assinaturas
digitais da urna, por exemplo, poderiam ser apresentadas em forma de
código de barras, impossibilitando que alguém anotasse o código para
comprovar um voto vendido, por exemplo. Cerca de 300 mil urnas de
segunda geração compradas para a nova fase foram consideradas ilegais
com a suspensão da lei.
Ainda existe a possibilidade de que a decisão seja discutida
judicialmente, mas não há previsão de que isso aconteça em um futuro
próximo.
Argentina: exemplo de urna de terceira geração
A urna eletrônica apresentada na Argentina é exibida por Amílcar, no
vídeo de sua palestra, como um dos exemplos mais modernos desse tipo de
equipamento. Para começar, o dispositivo não possui disco rígido,
memória flash ou qualquer outro tipo de armazenamento interno das
informações sobre o voto.
Todo o processo é realizado por meio de uma cédula que possui um chip
RFID. Para votar, o eleitor precisa inserir a cédula na urna e, assim, o
equipamento registra a escolha do cidadão tanto no chip quanto via
impressão, na mesma cédula. Se o candidato quiser conferir o voto
registrado eletronicamente, basta aproximar a cédula em outra urna e
conferir se tudo foi gravado corretamente. Em caso de discrepância,
rasga-se a cédula e repete-se a operação.
Urna argentina é considerada uma das mais modernas do mundo
Com display touchscreen, a urna argentina funciona por meio de um CD-ROM
com sistema operacional Linux, sem gravar qualquer dado em memória não
volátil. Assim, em caso de problema, basta substituir o equipamento por
outro, sem qualquer burocracia.
A apuração também é simples, já que os ficais simplesmente precisam
conferir as cédulas e o voto eletrônico com a ajuda das urnas,
contabilizando todos rapidamente. No final, o boletim das urnas é
armazenado também em uma cédula, com chip, e os ficais ganham uma cópia
desse documento.
Pelo visto, em questão de urna eletrônica, nossos hermanos levam a
melhor.
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