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Reinaldo Azevedo
Análises políticas em um dos blogs mais acessados do Brasil
12/08/2013
às 17:40Mensalão – Na quarta, ministros do STF decidem se abrem uma vereda para o estado de direito ou se investem na bagunça e no desrespeito à lei. Entenda o que está em jogo
O
mensalão reúne alguns ineditismos. É o maior e mais grave escândalo de
corrupção da história do país e ensejou, por isso mesmo, o maior
julgamento jamais realizado no Supremo, em processo de extensão também
inédita. E, não poderia ser diferente, fermentou um caldo de chicanas
como nunca antes na história dos tribunais. Na quarta-feira, se cumprida
a agenda, saberemos se o triunfo objetivo da lei repudia as manobras
diversionistas, de sorte que o país reconheça em sua corte suprema o
ancoradouro seguro de uma sociedade de direito ou se, ao contrário, os
chicaneiros engolfam o tribunal na pantomima da insegurança jurídica, da
idiossincrasia e do triunfo da lei do mais forte. Uma alternativa abre
ao menos uma vereda para uma nação respeitável; a outra mantém o país na
espiral negativa em que já se encontra. Os 11 do Supremo escolherão uma
coisa ou outra. Por quê?
Na quarta,
cumprida a agenda, os ministros decidirão se são ou não cabíveis os
chamados embargos infringentes — aquele recurso que prevê um novo
julgamento caso, numa condenação, haja pelo menos quatro votos
divergentes. Admitida essa possibilidade, é grande a chance de que
condenados como José Dirceu e João Paulo Cunha tenham revistas suas
respectivas penas, livrando-se da cadeia. Diga-se desde já: o STF não
tem de encarcerar ninguém só para dar o exemplo. O que se espera,
marque-se de novo, é que cumpra a lei.
Foi aqui
Foi este blog que aventou pela primeira vez não uma hipótese, uma tese ou uma causa; foi este blog que primeiro se lembrou de ler a Lei 8.038, que dispõe sobre processos penais em tribunais superiores. O texto foi publicado, atenção!, no dia 13 de agosto do ano passado. Completa um ano amanhã (clique aqui para ler a íntegra). Título, então, do artigo: “Mensalão – Tio Rei leu a lei e dá fé: ‘Não! Decisão do Supremo não pode ser reexaminada, não! Não cabe embargo infringente. Ou me digam onde isso está escrito! Vamos debater!”.
Foi este blog que aventou pela primeira vez não uma hipótese, uma tese ou uma causa; foi este blog que primeiro se lembrou de ler a Lei 8.038, que dispõe sobre processos penais em tribunais superiores. O texto foi publicado, atenção!, no dia 13 de agosto do ano passado. Completa um ano amanhã (clique aqui para ler a íntegra). Título, então, do artigo: “Mensalão – Tio Rei leu a lei e dá fé: ‘Não! Decisão do Supremo não pode ser reexaminada, não! Não cabe embargo infringente. Ou me digam onde isso está escrito! Vamos debater!”.
Pois é.
Com efeito, o Artigo 333 do Regimento Interno do Supremo, como se lê
abaixo (em vermelho) prevê os embargos infringentes:
“Art. 333. Cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma:
(…)
Parágrafo único. O cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta.”
“Art. 333. Cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma:
(…)
Parágrafo único. O cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta.”
Ocorre que a Lei 8.038, que é de 1990, simplesmente ignora essa possibilidade. Escrevi, então, há um ano (em azul):
A Lei 8.038 (…) não trata de “embargos infringentes” — vale dizer: da possibilidade de haver um reexame da decisão da maioria. Essa lei é de 1990. Na prática, (…) ela revogou o Artigo 333. Os advogados de defesa até podem vir com essa história. Suponho que os ministros do Supremo, responsáveis que são, dirão o óbvio: um artigo de um regimento interno, mesmo do Supremo, não pode mais do que a lei.
A Lei 8.038 (…) não trata de “embargos infringentes” — vale dizer: da possibilidade de haver um reexame da decisão da maioria. Essa lei é de 1990. Na prática, (…) ela revogou o Artigo 333. Os advogados de defesa até podem vir com essa história. Suponho que os ministros do Supremo, responsáveis que são, dirão o óbvio: um artigo de um regimento interno, mesmo do Supremo, não pode mais do que a lei.
Há mais:
até a Constituição de 1988, o Regimento Interno do Supremo era
recepcionado pela Carta com a força de lei. A partir do novo texto, não
mais. E o próprio tribunal, na prática, já reconheceu que é assim, como
demonstrou num artigo, naquele
mesmo dia 13, o procurador de Justiça do Rio Grande do Sul Lênio Luiz
Strek. Se argumento faltasse à evidência de que não cabe embargo
infringente, Strek apresentou o definitivo: o Regimento Interno do
Supremo admitia também esse tipo de recurso em caso de Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI). Mas aí veio uma lei, a 9.868, que é de
1999, e não abrigou tal instrumento. O que fez o Supremo? Declarou o
óbvio: o trecho de seu regimento que previa, então, o embargo
infringente para ADI havia perdido validade.
Ora,
minhas caras, meus caros, os ministros que eventualmente sustentarem que
cabem, sim, embargos infringentes em ações penais terão de responder:
por que a aprovação da Lei 9.868 tornou sem efeito um artigo do
regimento, mas a da Lei 9.038 não provocaria o mesmo efeito?
Subjornalismo estatal-petista
Os sites e blogs que se dedicam com fúria ao subjornalismo a serviço do PT, financiados por Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e outras estatais, chamam isto que estou a escrever de “pressão da mídia”. Uma ova! Em primeiro lugar, porque não sou “a” mídia; sou apenas o Reinaldo. Em segundo lugar, mas ainda mais importante, porque se trata de cumprir ou de não cumprir a lei. Não é nada além disso. O tribunal estará, aí sim, funcionando como corte de exceção caso aceite os embargos.
Os sites e blogs que se dedicam com fúria ao subjornalismo a serviço do PT, financiados por Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e outras estatais, chamam isto que estou a escrever de “pressão da mídia”. Uma ova! Em primeiro lugar, porque não sou “a” mídia; sou apenas o Reinaldo. Em segundo lugar, mas ainda mais importante, porque se trata de cumprir ou de não cumprir a lei. Não é nada além disso. O tribunal estará, aí sim, funcionando como corte de exceção caso aceite os embargos.
No dia 24 do mês passado, a ex-ministra do Supremo Ellen Gracie escreveu o seguinte no jornal O Globo:
“(…) a lei nº 8.038/1990 deu nova configuração ao processamento das causas de competência originária dos tribunais superiores. Quem consultar o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal encontrará, de fato, entre os artigos 230 e 246 a normativa que regia o processamento da Ação Penal Originária. Ela, porém, foi substituída por lei posterior que sobre a matéria dispôs integralmente. Essa lei nova, a de nº 8.038/1990, não previu recorribilidade às decisões de única instância dos tribunais superiores, em matéria penal. E, não o tendo feito, a disposição regimental constante do art. 333, I, cai por terra, revogada nos termos do § 1º, do art. 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: A lei posterior revoga a anterior (…) quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Nem nas hipóteses de condenação pelos Tribunais Regionais Federais e pelos Tribunais de Justiça, nas ações penais originárias, cabem embargos infringentes, pois esse tipo de recurso só é oponível a acórdão proferido em apelação ou em recurso em sentido estrito. Foi o que ficou magistralmente estabelecido pelo ministro Celso de Mello no julgamento do HC 72.465, em 5/9/95.”
“(…) a lei nº 8.038/1990 deu nova configuração ao processamento das causas de competência originária dos tribunais superiores. Quem consultar o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal encontrará, de fato, entre os artigos 230 e 246 a normativa que regia o processamento da Ação Penal Originária. Ela, porém, foi substituída por lei posterior que sobre a matéria dispôs integralmente. Essa lei nova, a de nº 8.038/1990, não previu recorribilidade às decisões de única instância dos tribunais superiores, em matéria penal. E, não o tendo feito, a disposição regimental constante do art. 333, I, cai por terra, revogada nos termos do § 1º, do art. 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: A lei posterior revoga a anterior (…) quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Nem nas hipóteses de condenação pelos Tribunais Regionais Federais e pelos Tribunais de Justiça, nas ações penais originárias, cabem embargos infringentes, pois esse tipo de recurso só é oponível a acórdão proferido em apelação ou em recurso em sentido estrito. Foi o que ficou magistralmente estabelecido pelo ministro Celso de Mello no julgamento do HC 72.465, em 5/9/95.”
João Paulo Cunha
Muito bem! Na quarta, está previsto que o Supremo julgue recurso interposto pela defesa de Delúbio Soares, que se antecipou aos demais condenados e já entrou com o embargo infringente. Se considerado admissível no seu caso, admissível será no de 10 outros: José Dirceu, João Paulo Cunha, João Cláudio Genu, Breno Fischberg, José Genoino, Marcos Valério, Kátia Rabello, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e José Roberto Salgado.
Muito bem! Na quarta, está previsto que o Supremo julgue recurso interposto pela defesa de Delúbio Soares, que se antecipou aos demais condenados e já entrou com o embargo infringente. Se considerado admissível no seu caso, admissível será no de 10 outros: José Dirceu, João Paulo Cunha, João Cláudio Genu, Breno Fischberg, José Genoino, Marcos Valério, Kátia Rabello, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e José Roberto Salgado.
Para João
Paulo Cunha e José Dirceu, um novo julgamento pode significar a
diferença entre ir e não ir para a cadeia. O embargo infringente, se
aceito, implica a escolha de um novo relator e de um novo revisor.
Também a Procuradoria-Geral da República tem de se posicionar de novo.
Cinco ministros absolveram Cunha da acusação de lavagem de dinheiro:
Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Dias Toffoli e Marco
Aurélio Mello. Desses, quatro ainda se encontram no tribunal (Peluzo se
aposentou). Condenaram o deputado por esse crime seis ministros: Ayres
Britto, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e
Carmen Lúcia — cinco continuam na casa (Britto deixou o tribunal).
Assim, num eventual novo julgamento, o placar contra o deputado é de
cinco a quatro. Em lugar de Peluso, entrou Teori Zavascki. Se ele
repetir o voto do antecessor, haverá um cinco a cinco, e caberá a Luís
Roberto Barroso a decisão. Britto, que o antecedeu na cadeira, condenou
João Paulo. O que faria o novo ministro?
Cunha foi
condenado a três anos de cadeia por corrupção passiva, a três anos e
quatro meses por peculato e a três anos por lavagem de dinheiro — nove
anos e quatro meses no total. Se, num eventual novo julgamento, fosse
inocentado desse último crime, não cumpriria um só dia dos seis anos e
quatro meses restantes em regime fechado — vale dizer: não iria para a
cadeia.
José Dirceu
Vamos ver o caso de Dirceu. Ele foi condenado a sete anos e 11 meses de reclusão por corrupção ativa. Só três o inocentaram. Mas recebeu quatro absolvições para o crime de formação de quadrilha (3 anos de cadeia): Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Rosa Weber e Carmen Lúcia. Todos continuam no tribunal, e Dirceu, pois, mantém esses votos. Condenaram o chefão por esse crime os seguintes ministros: Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Ayres Britto. Dos seis, cinco ainda são ministros. O placar, pois, contra Dirceu está agora em cinco a quatro.
Vamos ver o caso de Dirceu. Ele foi condenado a sete anos e 11 meses de reclusão por corrupção ativa. Só três o inocentaram. Mas recebeu quatro absolvições para o crime de formação de quadrilha (3 anos de cadeia): Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Rosa Weber e Carmen Lúcia. Todos continuam no tribunal, e Dirceu, pois, mantém esses votos. Condenaram o chefão por esse crime os seguintes ministros: Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Ayres Britto. Dos seis, cinco ainda são ministros. O placar, pois, contra Dirceu está agora em cinco a quatro.
Para ser
absolvido, ele precisa do voto dos dois novos: de Teori Zavascki, que
substituiu Peluzo (que não votou no caso Dirceu porque já havia deixado o
STF) e de Barroso, que substituiu Britto — que votou pela condenação.
Chegamos ao busílis.
Zavascki e Barroso
É nesse ponto que devemos voltar ao recente julgamento do senador Ivo Cassol (PP-RO), que foi absolvido justamente do crime de formação de quadrilha. Zavascki e Barroso se alinharam com a tese que Rosa Weber e Dias Toffoli defenderam no julgamento dos mensaleiros e entenderam que a formação eventual de um grupo para a prática de determinado crime não configura a formação de quadrilha. Havendo novo julgamento, se os dois se juntarem àqueles quatro também no caso de Dirceu, ele se livra dessa condenação, e sua pena se reduz a sete anos e 11 meses e pode ser cumprida em regime semiaberto. Como praticamente não há instituição no Brasil para esse regime, Dirceu ficaria solto.
É nesse ponto que devemos voltar ao recente julgamento do senador Ivo Cassol (PP-RO), que foi absolvido justamente do crime de formação de quadrilha. Zavascki e Barroso se alinharam com a tese que Rosa Weber e Dias Toffoli defenderam no julgamento dos mensaleiros e entenderam que a formação eventual de um grupo para a prática de determinado crime não configura a formação de quadrilha. Havendo novo julgamento, se os dois se juntarem àqueles quatro também no caso de Dirceu, ele se livra dessa condenação, e sua pena se reduz a sete anos e 11 meses e pode ser cumprida em regime semiaberto. Como praticamente não há instituição no Brasil para esse regime, Dirceu ficaria solto.
Caminhando para o encerramento
No caso de serem admitidos os embargos infringentes, Zavascki e Barroso repetiriam o voto que deram para Cassol? Como saber? Ocorre, meus caros, que o risco de desmoralização do Supremo não está apenas na possibilidade de redução das penas dos mensaleiros — no caso de Dirceu e João Paulo, pode ser a diferença entre ir ou não para a cadeia.
No caso de serem admitidos os embargos infringentes, Zavascki e Barroso repetiriam o voto que deram para Cassol? Como saber? Ocorre, meus caros, que o risco de desmoralização do Supremo não está apenas na possibilidade de redução das penas dos mensaleiros — no caso de Dirceu e João Paulo, pode ser a diferença entre ir ou não para a cadeia.
O que já
se afigura intolerável é estender o julgamento por tempo indefinido. No
mês de junho, o escândalo do mensalão completou 8 anos! E que se note:
ninguém está a pedir que se ignore a lei em nome da celeridade. O que se
está a pedir é que se cumpra a lei: a Lei 8.038. Se não for o Supremo a
declarar a sua validade, será quem? Zavascki e Barroso, em suma, vão
escolher um caminho. No caso da perda automática de mandato de
parlamentares condenados em última instância, deram votos desanimadores.
Juntaram-se ao grupo que abre as portas para que alguém seja deputado
ou senador de dia e presidiário à noite. Alegaram amor ao texto
constitucional. Já provei que
não é bem assim. Espera-se que, desta feita, demonstrem apego à letra
da Lei 8.038, que pode mais do que um Regimento Interno e tem o óbvio
poder de tornar sem efeito os seus dispositivos. Que Brasil eles
escolherão?
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